Pedro Lima se apresenta no 13º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto/BH
Confira abaixo, a crítica de Júlia Guimarães sobre a apresentação da cena Trajetória ‘PL’ no festival.
Existe uma tensão entre as camadas do real e do ficcional que parece favorecer a cumplicidade entre público e a personagem que narra a cena Trajetória ‘PL’. Trata-se de um travesti de 16 anos que ganha a vida nas ruas de Brasília e decidiu expor sua trajetória para um projeto social, cuja pesquisa enfoca a situação de exploração sexual no centro da capital brasileira. A história é contada como se esse travesti tivesse decidido criar uma cena sobre sua própria história depois de assisti-la no espetáculo Trajetória X, que, de fato, foi montado em Brasília. Numa espécie de teatro documentário, pois se baseia numa história real, o protagonista fala da realidade de seu trabalho e justifica a escolha pela prostituição. Enquanto narra, ele expõe as hesitações próprias de quem não consegue se distanciar muito da própria engrenagem a que está submetido.
A interpretação hiperrealista favorece certa dimensão representativa que poderia remeter ao filme Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, no qual o espectador não sabe distinguir se a narrativa é autorreferencial ou se ali estamos vendo um personagem interpretado por atrizes. Já na cena curta, essa ambiguidade é acentuada ainda por passagens em que a travesti menciona o diretor da cena, faz pedidos para o iluminador do teatro e cria efeitos que explicitam a dualidade da encenação. A potência do recurso diz respeito justamente a essa relação de cumplicidade que se estabelece com o espectador.
Na narrativa da personagem, vemos um discurso que não foge tanto ao imaginário que temos sobre o cotidiano de uma travesti. A relação com as drogas, a dúvida sobre largar ou não a profissão, a questão com os próprios prazeres e afetos (ou a ausência deles) contribuem para ressaltar um conhecimento superficial que se tem sobre esse universo. Até por isso, o momento em que ocorre uma quebra de expectativa quanto à representação dessa figura tão emblemática é justamente quando a personagem revela ser soropositivo e pede que o iluminador do teatro coloque uma determinada luz. Ela então canta uma música expondo nuances das vozes masculina e feminina que habitam o mesmo corpo, como se, ao sair da exposição crua do seu cotidiano e adentrar em uma dimensão onírica, ela conseguisse também ressignificar a própria imagem que tem de si, em um jogo que mostra, pelas suas entrelinhas, o quão estigmatizado é o universo dos travestis.